Oficina de mídia e identidade do Bairro da Paz


Em outra fase do nosso trabalho, convidamos os alunos da EJA da Escola Municipal Nova do Bairro da Paz a integrarem um grupo de debate que teria como finalidade de discutir questões sore a escola, sobre o bairro e sobre a vida cotidiana. Dentro da nossa programação, além da parte dos temas teóricos para nossas rodas de conversa, estabelecemos uma formação mínima para a manipulação de dispositivos móveis para gravação de vídeos e conteúdo para Internet.
Não houve seleção, quem quis, participou. A ideia era olhar questões referentes ao bairro e a escola de forma crítica e tentar entender como mudar ou o que conservar a partir das percepções deles  e usar os recursos digitais para difundir ideias, identidades e insatisfações.


Antes de qualquer coisa, o maior objetivo de todos nessa atividade é a educação, mas, concordando com Paulo Freire(1996), como não há neutralidade no ato de educar a politização dos indivíduos fez parte desse trabalho. Isso por que:
[...] cabe, também, à educação a responsabilidade de abrir as portas da mente e do coração e de apontar horizontes de construção partilhada de sociedades humanas mais humanizadas. (BRANDÃO, 2002, p. 22)
            E esse abrir de portas nos colocava também na parte de dentro, nos fazendo participar ainda mais das questões apresentadas por eles. Elaborei uma estrutura mínima, mas conforme a necessidade e interesse do grupo alteramos a nossa programação inicial. O trabalho foi dividido em duas fases. A primeira parte refere-se a sensibilização e debate sobre o tema e a segunda a capacitação para filmagem e edição de vídeos através de dispositivos móveis.
            Em um primeiro momento buscamos sensibilizar os alunos para a questão da parcialidade das informações que nos são apresentadas em nosso dia-a-dia. Conversamos sobre o risco de difundirmos imagens que só retratem a violência ou somente coisas boas.
Exibimos vídeos sobre o bairro e sobre a cidade que encontram-se em sites públicos como Youtube e falamos sobre as nossas percepções e sentimentos a respeito deles. Essas eram boas ou ruins a depender da temática e da forma que era abordado pelo produtor do material. Percebemos que além do vídeo ou imagem outros elementos como música ou manchetes alteravam o entendimento do conteúdo apresentado.

Fizemos a experiência de ver dois vídeos iguais, com a temática do Bairro da Paz, com fundos musicais diferentes e descobrimos que apresentamos respostas de sentimentos diferenciados para cada um deles. Foi um dia bem produtivo esse.

Discutimos, dentro dos nossos limites de tempo e formação, sobre a questão dos interesses e ideologias que estão por trás de cada notícia e produção. Falamos e exemplificamos de como é possível manipular uma informação com recortes simples em um vídeo ou imagem. E sem dúvida, uma imagem que chamou muita atenção e suscitou muito debate foi a seguinte:
IMAGEM 15: manipulação de informação em imagens

            Para criar um impacto maior foi mostrada ao grupo apenas às imagens das extremidades, separadamente, e cada um falou sobre sua percepção do fato e em outro momento a imagem completa. E uma das conclusões que o grupo chegou foi que uma imagem ou vídeo retirada do seu contexto pode gerar uma interpretação equivocada.
            Um outro tema abordado foi qual a percepção que a imprensa baiana cria sobre o Bairro da Paz.  E a dinâmica utilizada desta vez foi a busca de vídeos no Youtube[1]. Com um computador conectado a internet e projetando em um datashow  buscamos vídeos relacionados a bairros nobres de Salvador e depois fizemos a mesma busca em relação ao Bairro da Paz. Os resultados foram bem diferentes. Enquanto os vídeos relacionados a Barra ou Itaigara ressaltavam suas belezas, pontos turísticos ou intervenções urbanas, os vídeos do local onde  está situada a escola só aparecia assaltos, tráfico de drogas, chacinas...
            “Roubaram meu celular no Itaigara”, disse um aluno. “Nunca me assaltaram no Bairro da Paz”, disse outro. As percepções não pararam por aí, eles entenderam que nos dois bairros tem violência e que tem coisas boas também, mas que só dão destaque a violência que acontece nos locais mais populares por que não são desejados ali, como concluiu o aluno Sr. Everaldo: “Fazem isso por que ainda querem tirar a gente daqui, como na época que derrubavam os barracos. Por isso, dizem que a gente não presta”(sic.). 
            Convidamos, para outra reunião, o presidente da Associação de Moradores, o Sr. Paulo Almeida, que também é mestrando do Gestec, para falar sobre as intervenções positivas que acontecem no bairro. A quantidade de ações positivas que acontecem no Bairro da Paz são muitas e das mais variadas formas. Desde formação profissional de pedreiro, marceneiro, e operador de microcomputador até formação de orquestra da NEOJIBÁ[2] e curso de balé para crianças. Ficamos todos impressionados.

            Pensamos como seria importante dizer para todo mundo sobre aquelas coisas que o Bairro da Paz tem. Como registrar esse lado do bairro que as pessoas desconhecem ou não querem ver. Como estabelecer uma referência positiva, mas sem mascarar os seus reais problemas. Em nossas reuniões os temas iam sendo discutidos a medida que iam aparecendo, muitas vezes subvertendo a ordem de um planejamento previamente acordado no grupo.














Na segunda etapa que era de formação de técnicas de como gravar vídeos em dispositivo móveis tivemos que resolver dois problemas. A maioria do grupo não possuía um smartphone ou se possuía não havia nele condições técnicas que atendesse a necessidade mínima de qualidade. Então, conseguimos 20 tablets emprestados no GESTEC que acabou facilitando muito o trabalho. A outra questão é que precisávamos de alguém que pudesse  fazer essa capacitação com um olhar mais técnico. Conseguimos junto ao GEOTEC um colega, prof. Marcus Cordeiro [3], que se disponibilizou para fazer essa intervenção.



Trabalhamos técnicas de manipulação do equipamento, linguagens na filmagem, técnicas de filmagem, qualidade de som, importância da luz, técnicas de edição... Fizemos algumas filmagens teste na própria escola e depois assistimos aos vídeos sem nenhuma edição para percebermos erros e acertos.




O sentimento variava entre o “eu sou o cineasta” e o “eu não nasci para isso”. Realmente, algumas filmagens ficaram até boas e outras filmavam pés e teto como nunca antes foram registrados. Tudo isso é entendido como processo de formação e neste aspecto, muito aproveitamos.
Tivemos um total de 12 encontros, sempre as quartas-feiras, das 18 às 19 horas (uma hora antes da aula), mas com um público muito “flutuante”.  Como a maioria dos alunos são trabalhadores e vinham da ‘rua’ direto para escola, muitos atrasavam ou não conseguiam chegar para as reuniões de forma que não havia uma regularidade na composição da turma. Isso dificultou muito nossas atividades, principalmente a formação das questões mais técnica.
Na parte da teoria sobre as técnicas o entusiasmo baixou muito e as faltas ficaram mais frequentes.  Acredito que ter alguém falando de estratégias de filmagem, mesmo sendo professor experiente, mas sem a experiência com o público da EJA, e mesmo com minhas constantes intervenções, fizeram com que os alunos perdessem o fôlego para  acompanhar as nossas reuniões.
Outro problema que tivemos refere-se ao período que foi entre setembro e dezembro de 2017, por conta dos muitos feriados e por conta da proximidade com o final do ano letivo muitos alunos abandonaram as reuniões e quem ficou tinha muita dificuldade em realizar a tarefa sozinho e disponibilizar outros horários durante o dia para gravar os vídeos.
A atividade final com vídeos acabou não se concretizando da forma que pensamos, quer por essas questões levantadas anteriormente ou ainda por inabilidade minha em motivá-los corretamente. Mas, não vejo isso com desânimo já que valorizo muito todo o processo e todos os debates e conhecimentos trocados. O caminho não deve ser mais importante que o caminhar e que a percepção e aprendizado pelo “percorrido, ocorrido e incorporado” (Leão, 2016).
Tenho certeza que todo o caminhar dessa atividade, as discursões, as rodas de conversas, as conclusões valeram a pena. Cada fato novo, cada acontecimento, as conquistas e os fracassos contribuíram para desenvolver um conhecimento novo, uma percepção diferente e uma ampliação da consciência.
A ideia da produção dos vídeos gravados e editados por eles, como foi provocado pela nossa banca de qualificação, não saiu. Não penso que nós não fomos capazes. Penso que para efeito de compor o produto final os filmes não se aproveitam, mas podemos aproveitar todo o processo educacional que vivenciamos juntos. E esse é o nosso principal produto.
 Aproveitaremos parte do material coletado durante as nossas reuniões para compor o vídeo-memorial que apresentaremos como parte do produto desse trabalho juntamente com outros vídeos, fotos, reportagens e monografias colecionados sobre o bairro e a Escola Nova do Bairro da Paz e que serão disponibilizados em ambiente virtual.


[1] YouTube é um site, da Google, de compartilhamento de vídeos enviados pelos usuários através da internet.

[2]  O NEOJIBA é uma ação da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia e sua gestão é realizada pelo Instituto de Ação Social pela Música – IASPM. O NEOJIBA beneficia mais de 4.600 crianças, adolescentes e jovens em seus Núcleos de Prática Orquestral e Coral e através de ações de extensão, como a Rede de Projetos Orquestrais da Bahia e o Projeto NEOJIBA nos Bairros.
[3] Prof. Marcus Cordeiro, é pesquisador do GEOTEC, aluno regular do GESTEC e tem formação e experiência profissional em mídias. Trabalhou em diversas emissoras de televisão da Bahia e foi um dos fundadores do curso de Mídias Sociais, da UNIJORGE.


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